Querido diário,
Hoje descobri que Deus existe porque Ele me odeia. Tive um dos piores dias da minha vida onde tudo deu errado do início ao fim, tanto que sequer me importei com minha frase herética no início do parágrafo pois sei que o inferno é fichinha perto do que passei hoje. Escreverei exatamente como foi meu dia não apenas para guardar o texto na minha pasta de fracassos, mas também para servir de legado para as gerações futuras verem que existem pessoas cujo papel na Terra é se fuder mais que todo mundo.
Tudo começou na quinta feira. Estava feliz de férias planejando um dia inteiro sem nada pra fazer, quando minha mãe entrou no quarto com um sorriso sinistro no rosto e um olhar de quem escolheu a dedo o otário do dia para fazer alguma tarefa cabalística. Não preciso nem dizer quem era o otário.
Ela começou com uma conversa mole, aquele papo de malandro, dizendo que tinha uma óóóótima viagem para fazermos em família no fim de semana. Como estava com o alerta “minha mãe quer me fuder” ligado, mandei um sonoro “NÃO” e continuei a jogar The Sims. Planejava negar até o fim, mas mamãe disse que não faria comida se eu ficasse em casa.
Mandei a Laura Caixão praticar piano e comecei a prestar atenção na conversa. Minha sádica mãezinha falou que ia ser apenas um fim de semana, ela ia pagar tudo e que ia ser super revigorante passar um tempo longe de casa. Já estava até cedendo quando ouvi o destino da viagem: ITATIAIA.
Apareceram urticárias em todo o meu corpo. Tive calafrios e comecei a suar frio. Não, não podia ser verdade. A casa de Itatiaia estava praticamente ABANDONADA por causa dos constantes roubos e, pra piorar tudo, o quintal que meu avô cultivou durante anos de tédio se tornou uma selva indomável, provavelmente abrigando cobras, marimbondos e uma pequena tribo de pigmeus canibais.
Imediatamente falei que não ia viajar de jeito nenhum e que Itatiaia era o caralho, ia ficar em casa com comida ou não. Mas ela continuou insistindo, dizendo que meus avós não saem de casa há muito tempo, estão velhinhos, precisam se divertir, adorariam viajar um pouquinho e que a minha prima estava suuuuuuuuper empolgada para viajar comigo.
Maldita. Apelou para o emocional sem pestanejar.
Como eu odeio ver gente grande chorando, aceitei viajar. Fiz as malas já com aquele pressentimento de “Vaidámerda” e no dia seguinte entrei no carro rumo à região serrana.
Desejo ficar em casa e a viagem que se foda.
Buscamos meus avós em casa. Até aí o normal aconteceu; minha prima estava com cara de sono, meu avô não tinha tomado banho e tava com cheiro de sanduiche de alho cru, minha avó esqueceu que ia viajar e minha mãe apressava todos usando sua truculência paquidérmica. Eu fiquei vendo Bob Esponja na esperança que um meteorito acertasse o carro da minha mãe e a viagem fosse cancelada, mas obviamente isso não aconteceu. Meia hora depois já estávamos todos na estrada.
Fui no banco da frente pois caso o carro batesse eu seria o primeiro a morrer e não iria pra Itatiaia. Vovó estava entre o vovô e a prima, minha mãe dirigia puta com o cheiro do meu avô e o rádio só tocava Kenny G. Uma viagem típica em família, ou seja, uma merda. Após todos começaram a brigar por algum motivo, eu fiz o que deveria ter feito desde o começo: coloquei o fone de ouvido e dormi como um nenê.
De vez em quando eu acordava pra ver como tava a situação. Numa dessas vezes passamos em frente ao Bob’s que tem na Dutra e minha mãe propôs que parássemos para irmos ao banheiro, mas meu avô falou que estava ótimo, que tava tudo bem, que ninguém queria fazer xixi nem cocô e tava querendo chegar logo. Durmi de novo. Até ouvir os gritos.
Ah, os gritos. Nada como acordar com os gritos de um português septuagenário prestes a vomitar o café da manhã todo num carro cheio e fechado, viajando durante um temporal a 100 km do destino. Sim, é inesquecível.
Ele começou a gritar desesperadamente:
“AAAAI!! AAAAII!! AAAAI! ESTOU A P’ASSAR MAAALLL!!!”
“CALMAE PAI, PERAE! QUEQUETUTASENTINDO PAI, NAO VOMITA NO CARRO QUE MERDA DEIXA EU PARAR" – Gritava minha mãe repetidamente, enquanto minha avó falava coisas sem sentido e minha prima se encolhia no canto se protegendo do pior.
Eu não sabia o que fazer. Minha mãe berrava e apertava as unhas no volante, meu avô gritava cada vez mais, minha avó tava que nem uma barata tonta e a prima nada mais era que uma bolinha rosa encolhida no banco. Gritei pra minha mãe parar o carro, mas tudo que ela dizia é que nao podia parar a caralha do carro no meio da porra da rua e então:
“AAAAI ESTOU A P’ASSAAAAAAAUUUBBBLLLGHHHEEAAAAAAAAAR...”
Putaquepariu, ele não PARAVA de vomitar. Durante quase um minuto inteiro meu avô vomitou na porta, enquanto o resto do carro discutia e eu puxava o volante para minha mãe parar no acostamento. Ela parou, saiu do carro, abriu a porta para meu avô vomitar e PASME, começou a vomitar também! Caralho, que que tá acontecendo aqui?! Meu avô ta vomitando até secar, minha mãe tá vomitando com nojo do vovô, minha avó não sabe o que fazer e a prima… Bem, ela que é esperta e se enrolou lá no canto. Ninguém vai mexer com ela.
Enquanto o ambiente era tomado pelo perfume sanduíche de alho vomitado Nº5, decidi fazer o balanço da situação. Meu avô estava morto com farofa, minha mãe estava botando os bofes pra fora e a prima e a vovó eram coadjuvantes. A chuva caia e sim, tudo piorou.
"Eu não vou sair daqui enquanto o carro não estiver limpo" - Sibilou mamãe no pé do meu ouvido.
Sim. Sobrou pra mim a agradável tarefa de limpar o vômito do vovô na porta do carro.
Peguei um jornal e passei na porta toda. Foda é que ele vomitou EXATAMENTE no porta objeto, então ficou uma poça de vômito na porta que só poderia sair com uma concha de sopa. Como medida provisória, enchi o rio de vômito de jornal e taquei perfume pra ver se disfarçava o cheiro. Nojento, mas adiantou um pouco.
Entramos todos no carro e a viagem seguia tensa, como era de se esperar. Quem dirigia o carro não era mais minha mãe, mas sim uma mulher que tava com o diabo no couro pronta pra matar um, a prima tava autistando pra não ficar desesperada, o vovô tava repetindo "AIAIAIA ESTOU A P'SSAR MAL" o tempo todo e a minha avó ficava falando como eu sou um bom menino por limpar o vômito daquela porra da porta. Apesar do ambiente tétrico, mamãe continuou a ser a motorista modelo de sempre: estava a 65 km/h na estrada mesmo faltando 90 km para chegar em Itatiaia.
Tenso. Ainda não sei se era frieza, responsabilidade ou filha-da-putice.
Fiquei pensando que se eu me tacasse do carro de costas eu manteria integridade física suficiente para voltar 115 km e fugir a pé, porque tudo que tinha no bolso eram 27 reais e um pacote de jujubas. Tudo bem, poderia trocar meu celular por uma carona, mas lembrei que os caminhoneiros são pessoas que podem fazer de tudo para satisfazer suas necessidades sexuais. Quem sabe eu conseguiria domar um boi na estrada e voltar no estilo rei do gado? Não consegui concluir meu plano pois fui puxado para a realidade por uma voz que só trazia terror e sofrimento. Pra mim, é claro.
"AAAAAAAAAAAAAAAAIII...."
Começou tudo de novo. Minha mãe mandando meu avô pra casa do baralho, ele gritando que ia vomitar tudo ali mesmo e eu só tentava me lembrar se eu já tinha vendido a alma ao demônio naquela tarde. Se não, fui arrastado pro inferno por pura sacanagem do destino.
Entre trancos e barrancos chegamos finalmente em Itatiaia na nossa carruagem apocalíptica. A primeira coisa que fizemos foi deixar o vovô no posto de saúde com a vovó fazendo companhia, acho que porque ele teve medo de ficar sozinho. Seria um momento fofo se não estivéssemos todos com cheiro de alho semidigerido. Depois disso fomos finalmente almoçar às 15h, uma tarefa que seria muito simples se eu não estivesse sendo perseguido por um batalhão de encostos pois TODOS OS RESTAURANTES DA CIDADE estavam fechados. Não, não é uma hipérbole: NENHUM restaurante estava aberto. Minto, tinha um único restaurante. Era o restaurante de um posto de gasolina que a gente odeia pra caralho, porque a comida parece de presídio e os caminhoneiros ficam secando até a minha avó. Tivemos que ir almoçar na cidade vizinha, num Graal na beira da estrada, onde a comida estava fria e cheirava à merda recém feita.
Essa foto... Me dá... Calafrios.
Após essa refeição espartana, voltamos para buscar os coroas e irmos para casa. Meu avô estava ótimo e já tava até tentando malocar uma garrafa de soro, mas ao ver que estávamos a um passo de matar alguém ele subitamente desistiu de tal traquinagem. Fomos para casa e eu tive a árdua missão de abrir as portas.
Acho que citei que a casa tinha sido roubada diversas vezes, certo? Tal fato despertou um instinto de preservação patrimonial exageradíssimo no meu avô, e para entrar na casa temos que passar por uma certa blindagem. São 2 cadeados + fechadura reforçada no portão, 3 cadeados + 3 fechaduras reforçadas na porta da frente, cada quarto (3) tem 2 fechaduras e a porta da cozinha tem 2 cadeados + fechadura reforçada. A casa dos fundos tem uma porta com 3 fechaduras e cada quarto (2) tem duas fechaduras.
Agora vamos voltar à cena: Eu estava parado no portão da casa com todos no carro, sendo que tava frio pra caralho, chovendo, eu tava com gosto de pé na boca por causa da comida, cheirando a vômito, segurando um molho que tinha VINTE CHAVES SEM NENHUMA INDICAÇÃO e tinha que abrir todas as portas na base da tentativa e erro.
Acho que um aneurisma era melhor que isso.
Após 3 minutos consegui abrir o portão. Entrei no quintal e já quis dar meia volta. A selva do meu avô estava até controlada, mas tinha uma casa de marimbondo do tamanho de uma jaca na varanda da porta da frente. Somando isso com o tempo que eu tinha que perder para abrir a porta e o fato de todos os marimbondos estarem em casa por causa da chuva, pude ter certeza que ia ter o rabo atacado por algum daqueles insetos malditos.
Felizmente isso não aconteceu e abri a porta da frente intacto. Porém, ao abrir a porta eu gelei. A casa estava cheia de cocô de rato, o bicho que eu mais odeio na face da Terra. Eu tenho uma implicância absurda com rato por transmitir centenas de doenças e por ser nojento, mas não tenho coragem de matar nenhum pois tenho peninha. Me impressionei com a capacidade do destino me estuprar sem dó. Quando eu acho que nada pode piorar, PIMBA.
Enfim, todos entramos em casa, colocamos as malas no lugar e nos arrumamos para jantar. Ou não, porque o meu avô NÃO LEVOU ROUPAS pois disse que usaria as roupas que ficaram na casa, ou seja, as roupas que estavam sendo consumidas por cupins e ácaros. Minha mãe deu um chilique, mas eu não me importei. Se não for pelado, pode ir até de cafetão.
Fomos jantar e, só pra cagar mais ainda na merda que o dia estava sendo, meu avô disse que só iria comer na porra do restaurante escroto do posto. Nunca comi com tanto sangue nos olhos, mas não estava sozinho. Pude perceber certos sinais de descontrole da minha mãe.
Voltamos para casa. Queria dormir para o dia terminar logo, mas não consigo pois esse colchão é de palha e deve ter quase 30 anos. Provavelmente é mais duro que o piso, mas tenho medo de dormir no chão e ser molestado por uma gangue de ratos do interior.
NÃÃÃÃOOO EU NÃOO TENHO QUEEEIJOOO!!!
Agora são quase 5 da manhã e tudo que ouço são os roncos da minha prima na cama de baixo do beliche. Vejo sombras andando no quintal e acho que tem alguma coisa errada com a geladeira. Só de pensar que hoje ainda é sexta e iremos embora domingo tenho vontade de me matar com a escova de dentes.
Mas amanhã é outro dia. O que será que me aguarda?
16 comentários
Write comentáriosXuxus, antes de mais nada porém depois de todo o texto:
ReplyDesculpem pela demora, mas como vocês perceberam, eu trabalhei um pouco mais nesse texto. Ficou grande pra caralho, mas se vocês não gostaram, comente que o próximo vai ficar melhor.
E não sei se vocês perceberam, mas eu reformulei um pouco o visual do blog. Curtiram? Perceberam o que mudou?
Beijos :*
cara, como sua mãe pode ser tão má? haha
Replyquero saber como foram os outros diaaas...
não duvido que tenham sido ainda piores!
Não percebi que o blog mudou não....mudou o que?
ReplyNão me canso de ouvir sobre essa maravilhosa viagem! He he he he!
Gabriel eu não estava nenhum pouco feliz de ir, a sua mãe mentiu para você ! e eu não ronco nem sou autista seu palhaço ! mas cara já sinto calafrios só de lembrar dessa viagem !
ReplyFora os exageros e a música no rádio (odeio o Kenny G.) acho que está meio edipiana.
ReplyTem muita mãe na história...
Ah... você não falou do estado das roupas do
Fico impressionada com sua habilidade dissertativa!
ReplyLeio seus textos querendo mais e mais entre uma gargalhada e outra, parabéns cara.. Pra variar, ficou foda :D
AHAHAHHA
ReplySeu avô nu em Itatiaia, HAHAHAHA!
quero ver a parte 2, estou ansiosísssssima.
tijolho
Replyhuahuahuahua. Sensacional sua narrativa epopeica de um final de semana em familia! =)
ReplyCara.... bem que ele disse logo um 'não' na primeira vez, já até sabia o que iria acontecer...
Replyahsduiasduiasdudausd
Esse é o tipo de experiência que eu espero nunca ter, amigo >XD
Laura Caixão. rialto!
ReplySério eu fico abismada com o seu talento pra contar desgraça! huahauhauhauahuah
ReplyE fico abismada com as pessoas que você atrai! o.o
Te adoro, pessoa. :)
Cara eu ri muito com a história !
ReplyCaralho irmão. Muito bom rir das suas desgraças. Agora escreve mais pra eu ler =D Muito bom !!
ReplyFala serio, tu nunca mais vai querer voltar nesse lugar né?
Abração hothotaocubo
Muito Bom ^_^ ri muito xDahahhaha
ReplyCara, essa com certeza foi uma viagem que nao devia ter saido do plano dos pensamentos o.O...
Muito bom o texto continue assim EHG <ol
Abraçao
eugenio. eu morri de rir. é serio. eu ri tanto, mas tanto que ate a minha irma veio ver o que estava acontecendo. e adivinha? ela me encontrou rindo desesparadamente na cadeira (quase caindo) e as lagrimas descendo de tanto rir. depois? ela leu tambem, riu tambem (nao teve a mesma reaçao desesparada com a sua priminha, buuut...)
Replyhahah, vou ler os mais antigos! ta de parabens u.u
Ana Altoé :D
Comente sem anarquizar, por favor. Aqui não é casa da mãe Joana. EmoticonEmoticon