Era mais um dia comum, cercado de rotina por todos os lados. Acordei às 5:30h da manhã super de bem com a vida e cheio de disposição para ser um funcionário exemplar na empresa que trabalhava, contando que a maior desgraça que o dia poderia me reservar seria a máquina de café quebrar novamente.
Peguei o mesmo ônibus de todos os dias, vivenciei o mesmo trânsito, xinguei os mesmos palavrões e embarquei no metrô de sempre para a estação de Botafogo. O dia estava funcionando como um relógio, tão emocionante quanto tomar um copo d’água da pia. Perdido em devaneios sobre como me sentia uma peça de gado ao utilizar o transporte público, percebi que havia chegado à minha estação. Levantei-me para sair do metrô.
Então aconteceu.
Instantaneamente, exatamente no movimento de me levantar, sem motivo, razão ou circunstância, eu senti a maior dor de toda a minha vida. Foi algo inacreditável, simplesmente impossível de descrever. Foi tanta, mas tanta, que assim que eu me levantei do assento caí de joelhos no chão, me segurando no ferrinho de apoio do metrô em posição de súplica e suando frio.
“Mas... Mas não é possível... De onde... De onde veio isso?! É tanta... Tanta dor...”
Levantei-me com ajuda de uma senhora que perguntou o que havia acontecido. Não respondi. Não conseguia falar. Não conseguia pensar. Estava suando em bicas, aflito até o último fio de cabelo, pálido e com os olhos arregalados. Só conseguia pensar na dor e na taquicardia acarretada por ela.
Por favor, eu não sou uma mocinha incapaz de sentir dor. Eu já quebrei mais de quinze ossos. Eu já fui atacado por uma revoada de quero-queros. Eu já capotei numa ladeira de patinete. Eu já fui espancado ao sair de um show por um bando de adolescentes marginais. Mas essa dor não tinha nenhum parâmetro.
Tenho certeza que você está curiosíssimo para saber aonde foi essa dor maldita, que conseguiu me desestabilizar, quase me destruir.
No pâncreas? No estômago? Na cabeça? No dente? Por favor, nada tão comum.
Não esqueça que eu fui amaldiçoado pelos deuses da escrotidão assim que vim ao mundo. Escolhido a dedo, um exemplo a não ser seguido. Um arauto do azar. Esse sou eu.
A dor desgraçada era no meu saco.
Se você está rindo disso, espero que você arda nos mais profundos mármores do inferno pelo seu sadismo. Eu estava com muita dor. Eu estava sofrendo.
Com muita dificuldade, cambaleei quase 200 metros até chegar ao meu trabalho. Com um semblante de completo pavor, a camisa aberta até a barriga e completamente suado, ignorei meus co-workers e fui direto para o banheiro tentar visualizar a situação e compreender de onde havia surgido aquela dor filha da puta.
Digamos que ao apalpar a situação, eu quase chorei. De dor e de preocupação.
Sem esquecer que tenho 1,71m. Longe de ser um homem alto.
Tomado pelo desespero e pela urgência, peguei minhas coisas na intenção de rumar rápido como o vento à clínica do meu plano de saúde. Mas tinha um porém. Havia acabado de chegar ao trabalho e já estava indo embora. Como falar isso para sua chefa?
- CHEFA PSSOFALARAPIDINHO COVOCÊ? – abordei-a, falando praticamente sem pausas entre as palavras.
- Sim? Por que você está todo suado? E pálido? E essa car...
- OLHASÓ CHEFA, TÔ PSSANDMALAQUI CHEIDIDOR, VOUEMBORAPQTÁMTOCOMPLICADO.
- Caramba, tô vendo! Vai log... – Não a deixei terminar a frase.
Em cinco minutos já estava num ônibus rumo à Barra da Tijuca.
Estava um dia lindo. Consegui pegar um ônibus expresso que passava por toda a enseada da Zona Sul, então pude ver aquele céu azul sem nuvens, o Sol brilhando e reluzindo no mar, um cenário digno de cartões postais. Mas o desconforto causado por aquela dor desgraçada fazia parecer com que na verdade estava num tour por Serra Leoa. Estava odiando cada segundo da viagem, amaldiçoando todas aquelas pessoas saradas na praia, pessoas com a vida tão simples e sacos perfeitamente saudáveis. Apenas para ilustrar a situação, o imaginar de abrir as pernas me deixava desconfortável, tanto que a cena de uma galera jogando futevôlei me levou à mais profunda agonia, que combinada com o estresse e minha natural hipocondria estavam me levando à pensamentos que não contribuíam em nada com a situação.
E se fosse um tumor? E se fosse lepra? E se fosse uma daquelas doenças que o saco não para de crescer? E se tivessem que me castrar?
Já no mais profundo delírio e entorpecido de dor, consegui chegar na clínica. Esperei a eternidade de 25 minutos para ser atendido pela médica, uma senhora muito simpática beirando já os 60 anos.
- Oi meu filho. Vamos ver... Então você está com dor no seu piruzinho? - Perguntou a simpática profissional de saúde.
- Bem... Não é exatamente no meu... Herm... piruzinho. É mais pela região do saco mesmo.
- Você poderia tentar descrever a dor, querido?
- É como se um pescador tivesse fisgado meu saco com um anzol enferrujado e puxado ele até a altura do meu pescoço, aproveitando para me estrangular com a linha cheia de cerol enquanto chuta minha bunda durante esse ritual sinistro.
- Nossa... Mas que pescador cretino, né? Hi hi hi. Bem, vamos lá filho. Tira essa calça aí pra eu dar uma olhadinha... - Disse a médica enquanto colocava luvas descartáveis.
Nesse momento eu congelei.
Nunca havia tido uma intimidade dessas assim, de maneira tão impessoal, tão rápida. Afinal, eu nunca fui facinho. Esperava que conversássemos um pouco mais, que ela me contasse da vida dela, que eu falasse um pouco do meu dia e ela desse umas risadas olhando nos meus olhos. Não esperava que tocasse Barry White ou que ela me pagasse um jantar, mas se antes me senti como gado no transporte público, agora me sentia uma prostituta para a médica.
"Tira a calça... Isso, tira a calça... Só vou dar uma olhadinha... Tira a calça devagar, sua vagabunda... Tira logo que não tenho o dia todo..."
Respirei fundo e tirei a calça.
- Jesus, Maria e José - disse a médica, enquanto me examinava.
- É muito... Muito grave, doutora? - Sibilei devagar, constrangido e deprimido.
- Você provavelmente teve uma torção de testículo, rapaz... Talvez você precise oper-
- OPERAR NÃO! - interrompi - NADA DE PASSAR A FACA NO MEU SACO, PELO AMOR DE DEUS MOÇA. NÃO FAZ ISSO, EU IMPLORO!
- Rapaz, calma! Talvez só tenha sido uma torção de leve. Se ainda tiver circulação, não precisa operar. Senão...
- Senão... Senão o que? - Gaguejei, nesse momento já suando frio e me imaginando com a voz tão fina quanto um canário.
- Senão operamos hoje mesmo. Mas fica tranquilo que o procedimento é simples... Rapaz?
A possibilidade de passar por uma cirurgia era algo simplesmente fora de cogitação para mim. Primeiro porque tenho muito medo de facas e objetos cortantes em geral, e segundo porque detesto hospitais. A sensação de precisar passar por algo tão delicado numa área tão importante para mim era o fim do mundo, um estigma de que eu realmente era um arauto do azar.
Trêmulo,cambaleante e andando tal qual um pinguim bêbado depois de levar uma surra, fui encaminhado para uma área pré-exame, onde seria realizada uma triagem a fim de escolher qual seria o melhor procedimento para me avaliar. Fui examinado novamente na zona do agrião, mas dessa vez por um enfermeiro que estava tão desconfortável quanto eu. Mesmo assim, quando ele me chamou para trás do biombo o que soou foi "vem cá, sua puta". Pelo menos o pré-diagnóstico foi bem satisfatório. Aparentemente não precisaria de cirurgia, mas por via das dúvidas iria fazer um ultrassom.
Devido à minha dor desgraçada, insuportável, deprimente e desesperadora, o médico colocou uma solução intravenosa de soro com analgésico para me fazer suportar o tempo de espera para realizar o exame com o que restava de minha sanidade. Ignorei o fato de que o analgésico se chamava Tramal e era utilizado em tratamentos pós cirúrgicos. Só que a parada era tão forte que eu fiquei mongol.
Via luzes. As luzes formavam coisas. Golfinhos, palhaços, índios, capas de CD's dos anos 70... Tudo tomou minha visão, e fui transportado para um mundo muito feliz e sem nenhuma preocupação. Tudo era amor, tudo era alegria. E eu sorria sem parar, feito um idiota.
Para ilustrar a situação, me lembro que na televisão estava passando "Mulheres de Areia". Antes de tomar o analgésico eu estava achando uma idiotice sem fim assistir a uma novela no "Vale a Pena Ver de Novo", surpreso e incomodado por tal quadro ainda resistir através das eras, como um vírus inconveniente em ambiente natural. Após o analgésico, que funcionou como um tapa na pantera, eu estava admiradíssimo com o fato de uma pequena cidade litorânea ter um comércio artesanal tão desenvolvido, intrigado com a dualidade singular imposta pelas personagens Ruth e Raquel e surpreso com a excelente atuação de Marcos Frota ao interpretar Da Lua, um personagem dotado de tanto lirismo. Cogitei, inclusive, acompanhar a trama.
A garrafinha de soro acabou rápido demais, e logo me vi rumo à sala de ultrassom. Mas, ao contrário das outras vezes, foi muito legal fazer o exame. Tomado pela mongolice, já entrei na sala tirando o cinto, abrindo o zíper e esperando ser devidamente usado pela enfermeira. Deitei na maca para o exame, rindo de como a sala gelada me deixava arrepiado, quando o telefone tocou.
Era minha chefa.
- Ooooooooooooooooooi cheeeeeeeeeeeeeeeefaaaaaaaa S2
- Oi, bom dia. Você lembra qual foi o resultado do report de ontem?
- Ahhhhhhhh chefa, sei láááá... Tô aqui no hospital aindaaaa...
- Poxa, mas que saco hein?
Acho que essa expressão nunca foi utilizada num momento tão oportuno.
- HAHAHAHAHAH QUE SACO, OLHA ELA... HAHAHA BOA, CHEFA... QUE SACO..!
* click*
A mongolice acarretada pelo Tramal somada a aplicabilidade de "que saco" numa situação com timing tão perfeito gerou uma das maiores crises de riso que consigo me recordar. Eu ri tanto, mas tanto, que a enfermeira ficou com dificuldade de fazer o ultrassom porque fiquei balançando na mesa.
- RAPAZ, VOCÊ PRECISA FICAR PARADO PRA EU CONCLUIR O EXAME!
- HAHAHA QUE SACO, VOCÊ OUVIU? HAHAHAHA!!!!
- AI MEU DEUS, PERAÊ!
- MOÇA, VAI LOGO QUE ESSE TROÇO TÁ GELADO... TÁ UM SACO! HAHAHAHAH!
- CARAMBA, CIRCULAÇÃO NORMAL, TUDO CERTO, SEM PROBLEMAS, PODE IR!
Então saí da sala muito feliz pela situação não ser algo sério e não ter sido castrado num ritual cabalístico ou medieval. O diagnóstico? Uma leve torção no testículo esquerdo, causada por ninguém sabe o quê. No fim das contas, tudo que tive que fazer foi passar 3 dias com as pernas pra cima e fazer compressa com uma bolsa de gelo, administrando alguns analgésicos não tão fortes quanto o Tramal, mas que ainda assim tinham seu charme.
Esse foi meu azar patrocinando mais um dia... sacal.
A possibilidade de passar por uma cirurgia era algo simplesmente fora de cogitação para mim. Primeiro porque tenho muito medo de facas e objetos cortantes em geral, e segundo porque detesto hospitais. A sensação de precisar passar por algo tão delicado numa área tão importante para mim era o fim do mundo, um estigma de que eu realmente era um arauto do azar.
Trêmulo,cambaleante e andando tal qual um pinguim bêbado depois de levar uma surra, fui encaminhado para uma área pré-exame, onde seria realizada uma triagem a fim de escolher qual seria o melhor procedimento para me avaliar. Fui examinado novamente na zona do agrião, mas dessa vez por um enfermeiro que estava tão desconfortável quanto eu. Mesmo assim, quando ele me chamou para trás do biombo o que soou foi "vem cá, sua puta". Pelo menos o pré-diagnóstico foi bem satisfatório. Aparentemente não precisaria de cirurgia, mas por via das dúvidas iria fazer um ultrassom.
Devido à minha dor desgraçada, insuportável, deprimente e desesperadora, o médico colocou uma solução intravenosa de soro com analgésico para me fazer suportar o tempo de espera para realizar o exame com o que restava de minha sanidade. Ignorei o fato de que o analgésico se chamava Tramal e era utilizado em tratamentos pós cirúrgicos. Só que a parada era tão forte que eu fiquei mongol.
Via luzes. As luzes formavam coisas. Golfinhos, palhaços, índios, capas de CD's dos anos 70... Tudo tomou minha visão, e fui transportado para um mundo muito feliz e sem nenhuma preocupação. Tudo era amor, tudo era alegria. E eu sorria sem parar, feito um idiota.
Para ilustrar a situação, me lembro que na televisão estava passando "Mulheres de Areia". Antes de tomar o analgésico eu estava achando uma idiotice sem fim assistir a uma novela no "Vale a Pena Ver de Novo", surpreso e incomodado por tal quadro ainda resistir através das eras, como um vírus inconveniente em ambiente natural. Após o analgésico, que funcionou como um tapa na pantera, eu estava admiradíssimo com o fato de uma pequena cidade litorânea ter um comércio artesanal tão desenvolvido, intrigado com a dualidade singular imposta pelas personagens Ruth e Raquel e surpreso com a excelente atuação de Marcos Frota ao interpretar Da Lua, um personagem dotado de tanto lirismo. Cogitei, inclusive, acompanhar a trama.
"Éguiiii... Acha queee... Vai acompanhááá... A noveeeeela..."
A garrafinha de soro acabou rápido demais, e logo me vi rumo à sala de ultrassom. Mas, ao contrário das outras vezes, foi muito legal fazer o exame. Tomado pela mongolice, já entrei na sala tirando o cinto, abrindo o zíper e esperando ser devidamente usado pela enfermeira. Deitei na maca para o exame, rindo de como a sala gelada me deixava arrepiado, quando o telefone tocou.
Era minha chefa.
- Ooooooooooooooooooi cheeeeeeeeeeeeeeeefaaaaaaaa S2
- Oi, bom dia. Você lembra qual foi o resultado do report de ontem?
- Ahhhhhhhh chefa, sei láááá... Tô aqui no hospital aindaaaa...
- Poxa, mas que saco hein?
Acho que essa expressão nunca foi utilizada num momento tão oportuno.
- HAHAHAHAHAH QUE SACO, OLHA ELA... HAHAHA BOA, CHEFA... QUE SACO..!
* click*
A mongolice acarretada pelo Tramal somada a aplicabilidade de "que saco" numa situação com timing tão perfeito gerou uma das maiores crises de riso que consigo me recordar. Eu ri tanto, mas tanto, que a enfermeira ficou com dificuldade de fazer o ultrassom porque fiquei balançando na mesa.
- RAPAZ, VOCÊ PRECISA FICAR PARADO PRA EU CONCLUIR O EXAME!
- HAHAHA QUE SACO, VOCÊ OUVIU? HAHAHAHA!!!!
- AI MEU DEUS, PERAÊ!
- MOÇA, VAI LOGO QUE ESSE TROÇO TÁ GELADO... TÁ UM SACO! HAHAHAHAH!
- CARAMBA, CIRCULAÇÃO NORMAL, TUDO CERTO, SEM PROBLEMAS, PODE IR!
Então saí da sala muito feliz pela situação não ser algo sério e não ter sido castrado num ritual cabalístico ou medieval. O diagnóstico? Uma leve torção no testículo esquerdo, causada por ninguém sabe o quê. No fim das contas, tudo que tive que fazer foi passar 3 dias com as pernas pra cima e fazer compressa com uma bolsa de gelo, administrando alguns analgésicos não tão fortes quanto o Tramal, mas que ainda assim tinham seu charme.
Esse foi meu azar patrocinando mais um dia... sacal.
3 comentários
Write comentáriosRi muito, foi mal aushaushaushau
ReplyDesculpa,mas eu chorei de rir da sua desgraça hahahahahaha
Reply(um pra S2 Sabrina que me mostrou esse post)
kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk , desculpa , mas eu chorei de rir com essa.
ReplyComente sem anarquizar, por favor. Aqui não é casa da mãe Joana. EmoticonEmoticon