O dia que TENTEI ajudar uma velhinha

Amiguinhos, estou de volta.

Depois de um longo e tenebroso inverno, venho aqui contar mais uma historinha da minha vida desgraçada para vocês. Essa acabou de acontecer e é curtinha, apenas para fazer presença.

Admitam... Vocês estavam com saudades das minhas burrices. Quem convive com os leitores do Ego do Ehg mal sabem que eles escondem todo seu sadismo no dia-a-dia e se satisfazem aqui, lendo minhas histórias azaradas e burrices, pensando coisas como "Eu posso ser azarado, mas pelo menos nunca torci o saco" ou então "Que tipo de imbecil vai com uma camisa do Vasco num ônibus lotado de flamenguistas?".

Pois é... Esse tipo de coisa já virou rotina, mas às vezes eu juro que ainda me surpreendo com as reviravoltas do destino.


Hoje eu precisei ir a uma das filiais do inferno no Rio de Janeiro (a saber, na Caixa Econômica Federal). Já animadíssimo com o absurdo calor que essa cidade é capaz de receber em pleno inverno, calcei meu chinelo e rumei para a casa da luz vermelha do mundo financeiro.

Sim, eu fui de chinelo. E acredite, na Caixa Econômica Federal isso é muito. Na última vez eu sentei ao lado de um cara mijado.

Foi uma bosta.

Enfim.

Por causa da anormalidade carioca em conseguir causar uma sensação térmica de 42º na rua e -12º na sombra, o meu sistema imunológico que é muito semelhante ao de uma garota de 7 anos (só que pior) me colocou numa crise alérgica terrível. Literalmente a cada passo era um espirro, o que tornava a árdua missão de caminhar até um local de merda muito pior e desagradável.

Entre trancos e barrancos, no meio do caminho encontrei uma velhinha com um semblante de aflição tentando atravessar uma rua. Pudera, a rua era movimentadíssima e, embora fosse a única opção, atravessá-la fora do sinal era uma tarefa arriscadíssima para aqueles cuja destreza foi afetada por tantos anos já gastos em sua gloriosa história de moradora taquarense.

Sensibilizado pela cena e pela dualidade entre o progresso e a tradição, onde tantos carros parcelados em crediários longuíssimos impediam o avanço daqueles que foram os pilares de nossa sociedade, lembrei-me de Epicuro proclamando que "caráter é aquilo que você é quando ninguém está te olhando" e decidi oferecer amparo para a sofrida velhinha.

Mas antes da boa ação, me perdi em devaneios. Eu não tenho um bom histórico com velhinhas. Já passei por poucas e boas com senhoras que poderiam ser mães da minha avó. Me perguntei "Será que ela não é mais uma velhinha marota?" e pela possibilidade da resposta ser positiva, fiz menção em recuar. Mas lembrei-me do provérbio "fazei o bem, sem olhar a quem" e decidi arriscar e ver qual era a da senhorinha.

- Oi senhora... Precisa de ajuda para atravessar a rua?

- Oh meu jovem... Claro que sim, me dá a mão que a gente atravessa juntos.

Olhei para aquela mão cheia de manchinhas e confesso que vacilei. Umas memórias repreendidas voltaram de supetão, mas mantive o sorriso no rosto e dei a mão para aquela boa senhora com cheirinho de Leite de Rosas.

O nome poderia ser "Idoso Engarrafado" ou então "Japeri"

Pois bem.

Eis que o cheirinho da senhora somado a minha terrível crise alérgica acabou rendendo no "Recorde mundial de espirros em sucessão proferidos por um jovem negro suburbano durante uma boa ação".

Provavelmente para os transeuntes a cena era a gravação de algum comercial do Benegripe ou afins, pois eu espirrei até sentir gosto de sangue em minhas fungadas. Eu não conseguia parar e, se você não me conhece pessoalmente, saiba que meus espirros também são acompanhados por pulinhos que colocam minha heterossexualidade em dúvida para os desavisados.

Já tonto após tantos espirros e com o nariz escorrendo, eis que uma mão amiga me ajudou.

E era uma mãozinha pequenininha cheia de manchinhas.

- EITA MOÇO, MAS TU TÁ MAL MESMO HEIN! VEM CÁ, ME DÁ A MÃO PROS CORRE, VEM...

E tal qual uma boneca grande, com um puxão e tropeçando pelas tabelas, a velhinha me ajudou a atravessar a rua.

A cena foi tão humilhante que eu senti toda a minha masculinidade escorrer pelo meu nariz ao chegar ao outro lado da rua. Onde estava a virilidade de meus ancestrais? Aqueles que lutaram contra tigres dentes-de-sabre, os africanos que lutaram pela abolição da escravatura e resistiram tanto tempo em quilombos, os árabes que com seu intelecto reinventaram a matemática, os negros malandros que criaram uma série de golpes e revolucionaram o estelionato no Rio de Janeiro?

Todos provavelmente estavam lá, dando duplos twists carpados em suas tumbas e pensando no quanto lutaram por tudo isso para ter um representante merda como eu em tempos contemporâneos.

O pior de tudo?

No outro lado da rua, já sem ar após tantos espirros, a velhinha resplandecendo no horizonte falou com toda a epitome de sua sabedoria:

- Pois é né, moço... Chegando na sua casa toma um suquinho e descansa para ter mais disposição.

E assim como veio, foi-se.

Obrigado, Dona Velha. Espero que a gente se encontre de novo.

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